"Vidas Passadas" destaca as diferenças entre coreanos e kyopos*
Ontem à noite fomos assistir à VIDAS PASSADAS, filme coreano-americano que concorre a dois Oscars - Melhor Roteiro Original e Melhor Filme.
Além de uma saudade enorme da nossa viagem à Coreia cada vez que nos deparávamos com os cartões postais, nossa vivência de tantos anos dentro do meio da cultura coreana, da comunidade coreana e da própria Coreia nos permitiu perceber nuances neste filme, que talvez um espectador comum não conseguiria.
A história fala de 2 amigos de infância, uma menina e um menino que na pré adolescência dão indício de estarem apaixonados e que numa manobra do destino (numa época que não haviam redes sociais) são separados quando a família da menina, decide imigrar para o Canadá.
Como muitos de nós que somos do tempo sem redes sociais já fizemos (aliás, eu ainda estou procurando uma amiga italiana...), o menino, 12 anos depois da partida da amiga, agora universitário, começa a procurar pelo nome dela nas redes e a encontra, quando então, os dois voltam a conversar, em continentes distantes, através dos meios digitais.
Já nesse momento, fica perceptível o que destaquei no título - a menina, que agora ostenta inclusive um nome ocidental, tem um comportamento bastante diferente do amigo, que passou a vida na Coreia. Ela é visivelmente mais livre e liberal. Porém, o contato com o velho amigo à faz relembrar um pouco da sua identidade coreana. Ela tem inclusive um pouco de dificuldade de escrever o próprio idioma no início dessa retomada.
É gostoso perceber que apesar do tempo e da distância, existe um sentimento ali. Algo que ficou, no coração dos dois. E a gente vê que, por ela, ela queria viver isso, e logo. Mas nenhum dos dois tinha como fazer isso acontecer naquele momento, e tudo fica novamente pra depois.
[A partir daqui pode conter spoilers]
Mas é no real encontro deles, mais 12 anos depois, já adultos, na faixa dos 30 e tantos, que fica ainda mais evidente o desenvolvimento da inteligencia emocional de um e de outro. A protagonista tentou levar sua vida, seguir em frente. Ele esperou.
Nesse momento, descobrimos o porque do título do filme. Ali, fica explicado o conceito coreano de "In-Yun" que poderia ser traduzido como destino. Em uma explicação mais ampla, ele acompanha pessoas que estão fadadas a se cruzar, repetidas vezes, ao longo de ciclos de vida e quem sabe até em reencarnações (ou seja, o conceito do encontro em "vidas passadas").
Ao verem-se ela o abraça apertado e ele fica visivelmente "gelado" e sem ação. Os asiáticos não são frios como imaginamos (nós temos essa sensação com vários povos, principalmente os europeus). Eles são apenas respeitosos, talvez um pouco constrangidos demais para o nosso padrão ocidental (e ainda mais para nós, latino americanos). E o Hae Sung é a personificação desse comportamento. Tanto, que muito provavelmente por conta de suas atitudes e de uma relutância reflexiva porém obediente por parte de Nora ao comportamento dele, esta história não tem o final feliz que gostaríamos.
A atuação dos atores é impecável, principalmente por sabermos que Teo Yoo é na verdade um Kyopo (nascido na Alemanha) e não um coreano "raiz", digamos assim. Ele consegue transparecer a dor, a frustração, o amor encarcerado, de forma profunda, muito embora, contida. Greta Lee é americana, porém obviamente é descendente, pois fala coreano fluentemente. Não sabemos se ela passou tempo suficiente na Coreia para conseguir transparecer tão fielmente a confusão mental que se instalou dentro dela ao reviver o amor de infância, agora sob o olhar livre da ocidentalidade mas com resquícios típicos do comportamento coreano. Mas ela convenceu, lindamente.
Na verdade, é triste que o Oscar tenha considerado o filme mas não tenha considerado os dois na premiação (o filme foi indicado a 5 categorias também no Golden Globe, incluindo Melhor Atriz, mas não levou nada), pois na minha humilde opinião, a atuação dos dois é o ponto alto da produção.
Eu gostei bastante do filme, mas não sei se pode ser considerado "grande o suficiente" para o Oscar. Vamos ver.
Porém, certamente ele toca bastante ao coração de quem já viveu um amor, e de quem, como eu, jamais perderá a conexão com a Coreia.
Fiquem com o trailer:
*Kyopo = Um léxico coreano (também escrito, gyopo) usado para definir um coreano nativo que reside permanentemente em outro país ou terra que não seja uma das duas Coreias. No entanto, se um gyopo retornar à Coreia, este perderá seu “status” de gyopo.